segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Nosso racismo é um crime perfeito - Entrevista com Kabengele Munanga

Kabengele Munanga denuncia a farsa da democracia racial, defende o sistema de cotas e discute o espaço do negro na sociedade.

Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria

Fórum - O senhor veio do antigo Zaire que, apesar de ter alguns pontos de contato com a cultura brasileira e a cultura do Congo, é um país bem diferente. O senhor sentiu, quando veio pra cá, a questão racial? Como foi essa mudança para o senhor?

Kabengele - Essas coisas não são tão abertas como a gente pensa. Cheguei aqui em 1975, diretamente para a USP, para fazer doutorado. Não se depara com o preconceito à primeira vista, logo que sai do aeroporto. Essas coisas vêm pouco a pouco, quando se começa a descobrir que você entra em alguns lugares e percebe que é único, que te olham e já sabem que não é daqui, que não é como “nossos negros”, é diferente. Poderia dizer que esse estranhamento é por ser estrangeiro, mas essa comparação na verdade é feita em relação aos negros da terra, que não entram em alguns lugares ou não entram de cabeça erguida.

Depois, com o tempo, na academia, fiz disciplinas em antropologia e alguns de meus professores eram especialistas na questão racial. Foi através da academia, da literatura, que comecei a descobrir que havia problemas no país. Uma das primeiras aulas que fiz foi em 1975, 1976, já era uma disciplina sobre a questão racial com meu orientador João Batista Borges Pereira. Depois, com o tempo, você vai entrar em algum lugar em que está sozinho e se pergunta: onde estão os outros? As pessoas olhavam mesmo, inclusive olhavam mais quando eu entrava com minha mulher e meus filhos. Porque é uma família inter-racial: a mulher branca, o homem negro, um filho negro e um filho mestiço. Em todos os lugares em que a gente entrava, era motivo de curiosidade. O pessoal tentava ser discreto, mas nem sempre escondia. Entrávamos em lugares onde geralmente os negros não entram.

A partir daí você começa a buscar uma explicação para saber o porquê e se aproxima da literatura e das aulas da universidade que falam da discriminação racial no Brasil, os trabalhos de Florestan Fernandes, do Otavio Ianni, do meu próprio orientador e de tantos outros que trabalharam com a questão. Mas o problema é que quando a pessoa é adulta sabe se defender, mas as crianças não. Tenho dois filhos que nasceram na Bélgica, dois no Congo e meu caçula é brasileiro. Quantas vezes, quando estavam sozinhos na rua, sem defesa, se depararam com a polícia?

Meus filhos estudaram em escola particular, Colégio Equipe, onde estudavam filhos de alguns colegas professores. Eu não ia buscá-los na escola, e quando saíam para tomar ônibus e voltar para casa com alguns colegas que eram brancos, eles eram os únicos a ser revistados. No entanto, a condição social era a mesma e estudavam no mesmo colégio. Por que só eles podiam ser suspeitos e revistados pela polícia? Essa situação eu não posso contar quantas vezes vi acontecer. Lembro que meu filho mais velho, que hoje é ator, quando comprou o primeiro carro dele, não sei quantas vezes ele foi parado pela polícia. Sempre apontando a arma para ele para mostrar o documento. Ele foi instruído para não discutir e dizer que os documentos estão no porta-luvas, senão podem pensar que ele vai sacar uma arma. Na realidade, era suspeito de ser ladrão do próprio carro que ele comprou com o trabalho dele. Meus filhos até hoje não saem de casa para atravessar a rua sem documento. São adultos e criaram esse hábito, porque até você provar que não é ladrão... A geografia do seu corpo não indica isso.

Então, essa coisa de pensar que a diferença é simplesmente social, é claro que o social acompanha, mas e a geografia do corpo? Isso aqui também vai junto com o social, não tem como separar as duas coisas. Fui com o tempo respondendo à questão, por meio da vivência, com o cotidiano e as coisas que aprendi na universidade, depoimentos de pessoas da população negra, e entendi que a democracia racial é um mito. Existe realmente um racismo no Brasil, diferenciado daquele praticado na África do Sul durante o regime do apartheid, diferente também do racismo praticado nos EUA, principalmente no Sul. Porque nosso racismo é, utilizando uma palavra bem conhecida, sutil. Ele é velado. Pelo fato de ser sutil e velado isso não quer dizer que faça menos vítimas do que aquele que é aberto. Faz vítimas de qualquer maneira.

Revista Fórum - Quando você tem um sistema como o sul-africano ou um sistema de restrição de direitos como houve nos EUA, o inimigo está claro. No caso brasileiro é mais difícil combatê-lo...

Kabengele - Claro, é mais difícil. Porque você não identifica seu opressor. Nos EUA era mais fácil porque começava pelas leis. A primeira reivindicação: o fim das leis racistas. Depois, se luta para implementar políticas públicas que busquem a promoção da igualdade racial. Aqui é mais difícil, porque não tinha lei nem pra discriminar, nem pra proteger. As leis pra proteger estão na nova Constituição que diz que o racismo é um crime inafiançável. Antes disso tinha a lei Afonso Arinos, de 1951. De acordo com essa lei, a prática do racismo não era um crime, era uma contravenção. A população negra e indígena viveu muito tempo sem leis nem para discriminar nem para proteger.

Revista Fórum - Aqui no Brasil há mais dificuldade com relação ao sistema de cotas justamente por conta do mito da democracia racial? Kabengele - Tem segmentos da população a favor e contra. Começaria pelos que estão contra as cotas, que apelam para a própria Constituição, afirmando que perante a lei somos todos iguais. Então não devemos tratar os cidadãos brasileiros diferentemente, as cotas seriam uma inconstitucionalidade. Outro argumento contrário, que já foi demolido, é a ideia de que seria difícil distinguir os negros no Brasil para se beneficiar pelas cotas por causa da mestiçagem. O Brasil é um país de mestiçagem, muitos brasileiros têm sangue europeu, além de sangue indígena e africano, então seria difícil saber quem é afro-descendente que poderia ser beneficiado pela cota. Esse argumento não resistiu. Por quê? Num país onde existe discriminação antinegro, a própria discriminação é a prova de que é possível identificar os negros. Senão não teria discriminação.

Em comparação com outros países do mundo, o Brasil é um país que tem um índice de mestiçamento muito mais alto. Mas isso não pode impedir uma política, porque basta a autodeclaração. Basta um candidato declarar sua afro-descendência. Se tiver alguma dúvida, tem que averiguar. Nos casos-limite, o indivíduo se autodeclara afro-descendente. Às vezes, tem erros humanos, como o que aconteceu na UnB, de dois jovens mestiços, de mesmos pais, um entrou pelas cotas porque acharam que era mestiço, e o outro foi barrado porque acharam que era branco. Isso são erros humanos. Se tivessem certeza absoluta que era afro-descendente, não seria assim. Mas houve um recurso e ele entrou. Esses casos-limite existem, mas não é isso que vai impedir uma política pública que possa beneficiar uma grande parte da população brasileira.

Além do mais, o critério de cota no Brasil é diferente dos EUA. Nos EUA, começaram com um critério fixo e nato. Basta você nascer negro. No Brasil não. Se a gente analisar a história, com exceção da UnB, que tem suas razões, em todas as universidades brasileiras que entraram pelo critério das cotas, usaram o critério étnico-racial combinado com o critério econômico. O ponto de partida é a escola pública. Nos EUA não foi isso. Só que a imprensa não quer enxergar, todo mundo quer dizer que cota é simplesmente racial. Não é. Isso é mentira, tem que ver como funciona em todas as universidades. É necessário fazer um certo controle, senão não adianta aplicar as cotas. No entanto, se mantém a ideia de que, pelas pesquisas quantitativas, do IBGE, do Ipea, dos índices do Pnud, mostram que o abismo em matéria de educação entre negros e brancos é muito grande. Se a gente considerar isso então tem que ter uma política de mudança. É nesse sentido que se defende uma política de cotas.

O racismo é cotidiano na sociedade brasileira. As pessoas que estão contra cotas pensam como se o racismo não tivesse existido na sociedade, não estivesse criando vítimas. Se alguém comprovar que não tem mais racismo no Brasil, não devemos mais falar em cotas para negros. Deveríamos falar só de classes sociais. Mas como o racismo ainda existe, então não há como você tratar igualmente as pessoas que são vítimas de racismo e da questão econômica em relação àquelas que não sofrem esse tipo de preconceito. A própria pesquisa do IPEA mostra que se não mudar esse quadro, os negros vão levar muitos e muitos anos para chegar aonde estão os brancos em matéria de educação. Os que são contra cotas ainda dão o argumento de que qualquer política de diferença por parte do governo no Brasil seria uma política de reconhecimento das raças e isso seria um retrocesso, que teríamos conflitos, como os que aconteciam nos EUA.

Fórum - Que é o argumento do Demétrio Magnoli.

Kabengele - Isso é muito falso, porque já temos a experiência, alguns falam de mais de 70 universidades públicas, outros falam em 80. Já ouviu falar de conflitos raciais em algum lugar, linchamentos raciais? Não existe. É claro que houve manifestações numa universidade ou outra, umas pichações, "negro, volta pra senzala". Mas isso não se caracteriza como conflito racial. Isso é uma maneira de horrorizar a população, projetar conflitos que na realidade não vão existir.

Fórum - Agora o DEM entrou com uma ação no STF pedindo anulação das cotas. O que motiva um partido como o DEM, qual a conexão entre a ideologia de um partido ou um intelectual como o Magnoli e essa oposição ao sistema de cotas? Qual é a raiz dessa resistência?

Kabengele – Tenho a impressão que as posições ideológicas não são explícitas, são implícitas. A questão das cotas é uma questão política. Tem pessoas no Brasil que ainda acreditam que não há racismo no país. E o argumento desse deputado do DEM é esse, de que não há racismo no Brasil, que a questão é simplesmente socioeconômica. É um ponto de vista refutável, porque nós temos provas de que há racismo no Brasil no cotidiano. O que essas pessoas querem? Status quo. A ideia de que o Brasil vive muito bem, não há problema com ele, que o problema é só com os pobres, que não podemos introduzir as cotas porque seria introduzir uma discriminação contra os brancos e pobres. Mas eles ignoram que os brancos e pobres também são beneficiados pelas cotas, e eles negam esse argumento automaticamente, deixam isso de lado.

Fórum – Mas isso não é um cinismo de parte desses atores políticos, já que eles são contra o sistema de cotas, mas também são contra o Bolsa-Família ou qualquer tipo de política compensatória no campo socioeconômico?

Kabengele - É interessante, porque um país que tem problemas sociais do tamanho do Brasil deveria buscar caminhos de mudança, de transformação da sociedade. Cada vez que se toca nas políticas concretas de mudança, vem um discurso. Mas você não resolve os problemas sociais somente com a retórica. Quanto tempo se fala da qualidade da escola pública? Estou aqui no Brasil há 34 anos. Desde que cheguei aqui, a escola pública mudou em algum lugar? Não, mas o discurso continua. "Ah, é só mudar a escola pública." Os mesmos que dizem isso colocam os seus filhos na escola particular e sabem que a escola pública é ruim. Poderiam eles, como autoridades, dar melhor exemplo e colocar os filhos deles em escola pública e lutar pelas leis, bom salário para os educadores, laboratórios, segurança. Mas a coisa só fica no nível da retórica.

Veja a entrevista completa em:

http://www.revistaforum.com.br/noticias/2009/08/18/nosso_racismo_e_um_crime_perfeito/

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sagrado no Mais Você [Rede Globo] - Cultos Afro, Entrevista com Makota Valdina

Muito emocionado, estou postando aqui a entrevista dada por nossa
querida Makota Valdina no Programa Mais Você.

"Eu não quero que me tolere, eu quero que me respeite",
Makota Valdina





terça-feira, 27 de outubro de 2009

Aluno com 106 anos é alfabetizado na Bahia

As mãos que ainda conseguem segurar a enxada são as mesmas que há seis meses começaram a segurar o lápis. Com a disposição de um jovem estudante dedicado, Ubaldo Dias, 106 anos, caminha duas noites por semana para a sala de aula na escola municipal de São João do Paraíso, um distrito de Mascote, no sul da Bahia.

O aposentado é um dos 351 mil alunos do programa Todos pela Alfabetização (Topa), da Secretaria Estadual da Educação (SEC), que já beneficiou 171 mil pessoas na Bahia.

Somente na cidade de seu Ubaldo, a cerca de 600 quilômetros de Salvador, são aproximadamente 600 alunos matriculados em 48 turmas. "Desde 2007, o Topa já realizou o sonho de mais de 500 pessoas nesta região, que antes eram consideradas analfabetas, assim como seu Ubaldo, um verdadeiro exemplo de que nunca é tarde para aprender", afirmou a coordenadora municipal do Topa, Unifleides Ferreira.

O cansaço de mais de um século de vida não parece atrapalhar os estudos de seu Ubaldo. Em casa, ele reforça o aprendizado das aulas com a bisneta Letícia Lisboa, quatro anos.

Os dois aproveitam para treinar as primeiras letras que aprenderam. Questionada sobre como se sentia ao ver o bisavô aprender, assim como ela, a ler, Letícia respondeu: "Feliz".

Na escola, o antigo trabalhador rural acompanha com olhos atentos as explicações da professora Ana Cláudia Lisboa, 22 anos, que, além de alfabetizadora, é sua neta e mãe de Letícia. Três gerações diferentes unidas pelo universo do saber.

"Tanto como professora quanto como neta, me sinto muito orgulhosa do esforço de meu avô em começar a essa altura da vida uma nova etapa. Ele é um aluno atencioso e disciplinado que em pouco tempo conseguiu aprender muitas coisas, apesar de suas limitações", comentou Ana Cláudia.

O sorriso espontâneo e a força de vontade do aposentado animam toda a sala de aula. Seu Ubaldo é tomado como exemplo e estímulo pelos seus colegas de turma.

"Tem gente que não acredita que ainda podemos aprender e ele é a prova contrária", explicou a também aposentada Maria Carmélia, 63 anos, que se senta perto de seu Ubaldo.

Tanto Maria Carmélia quanto seu Ubaldo e os demais estudantes do Topa são submetidos a um modelo construtivista de aprendizado desenvolvido pelo educador Paulo Freire. Trata-se, assim, de uma alfabetização popular que parte da realidade do aluno e utiliza da experiência de vida para ensinar e despertar a cidadania.

Hoje, seu Ubaldo já escreve o nome completo e destacou que não pretende parar de estudar. "Minha neta insistia muito para eu vir aprender e sempre quis saber assinar meu nome completo. Então entrei no Topa e quero continuar a aprender", disse, sorrindo.

Fonte: Diário Oficial da Bahia - dia 27 de outubro de 2009

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Besouro - o filme

Quando Manoel Henrique Pereira nasceu, não havia nem dez anos que o Brasil tinha sido o último país do mundo a libertar seus escravos.

Naqueles tempos pós-abolição nossos negros continuavam tão alijados da sociedade que muitos deles ainda se questionavam se a liberdade tinha sido, de fato, um bom negócio. Afinal, antes de 1888 eles não eram cidadãos, mas tinham comida e casa para morar. Após a abolição, criou-se um imenso contingente de brasileiros livres, porém desempregados e sem-teto. A maioria sem preparo para trabalhar em outros serviços além daqueles mesmos que já realizavam na época da escravatura. E quase todos ainda sem a plena consciência de sua cidadania. O resultado desse quadro, principalmente nas regiões rurais, onde estavam os engenhos de açúcar e plantações de café, foi o surgimento de um grande contingente de negros libertos que continuavam, mesmo anos após a abolição, submetendo-se aos abusos e desmandos perpetrados por fazendeiros e senhores de engenho.

Assim era sociedade rural brasileira de 1897, ano em que Manoel Henrique Pereira, filho dos ex-escravos João Grosso e Maria Haifa, nasceu na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano.

Vinte anos depois, Manoel já era muito mais conhecido na cidade como Besouro Mangangá - ou Besouro Cordão de Ouro -, um jovem forte e corajoso, que não sabia ler nem escrever, mas que jogava capoeira como ninguém e não levava desaforo para casa. Como quase todos os negros de Santo Amaro na época, vivia em função das fazendas da região, trabalhando na roça de cana dos engenhos. Mas, ao contrário da maioria, ele não tinha medo dos patrões. E foram justamente os atritos com seus empregadores - e posteriormente com a polícia - que deixaram Besouro conhecido e começaram a escrever a sua imortalidade na cultura negra brasileira.

Há poucos registros oficiais sobre sua trajetória, mas é de se supor que a postura pouco subserviente do capoeirista tenha sido interpretada pelas autoridades da época como uma verdadeira subversão. Não por acaso, constam nas histórias sobre ele episódios de brigas grandiosas com a polícia, nas quais ele sempre se saía melhor, mesmo quando enfrentava as balas de peito aberto. Relatos de fugas espetaculares, muitas vezes inexplicáveis, deram origem a seu principal apelido: Mangangá é uma denominação regional para um tipo de besouro que produz uma dolorosa ferroada. O capoeirista era, portanto, "aquele que batia e depois sumia". E sumia como? Voando, diziam as pessoas...

Histórias como essas, verdadeiras ou não, foram aos poucos construindo a fama de Besouro. Que se tornou um mito - e um símbolo da luta pelo reconhecimento da cultura negra no Brasil - nos anos que se sucederam à sua morte.

Morte que ocorreu, também, num episódio cercado de controvérsias. Sabe-se que ele foi esfaqueado, após uma briga com empregados de uma fazenda. Registros policiais de Santo Amaro indicam que ele foi vítima de uma emboscada preparada pelo filho de um fazendeiro, de quem era desafeto. Já a lenda reza que Besouro só morreu porque foi atingido por uma faca de ticum, madeira nobre e dura, tida no universo das religiões afro-brasileiras como a única capaz de matar um homem de "corpo fechado".

E Besouro, o mito, certamente era um desses.
Lançamento dia 30/10/09 em todo Brasil
Texto retirado do site oficial, para mais informações acesse o:
Veja o trailer aqui

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

É o racismo, estúpidos

10/09/2009
Edson Lopes Cardoso
O repórter Bernardo Mello Franco, de “O Globo”, escreveu que a “Câmara dos Deputados aprovou ontem uma versão esvaziada do Estatuto da Igualdade Racial”. Na mesma reportagem, o ministro Edson Santos afirmou que “o grande avanço é que ele não vai gerar conflito”. (O Globo, p. 11.)

O Dep. Luiz Alberto (PT-BA) por sua vez afirmou, em pronunciamento da tribuna da Câmara, que o texto aprovado era “o possível”. E acrescentou: “Em caráter conclusivo, a matéria vai ao Senado Federal, onde também há um acordo para imediatamente se constituir uma Comissão Especial para aprovar o Estatuto, a fim de que o Presidente Lula, ainda este ano, possa sancioná-lo e dar ao Brasil uma oportunidade de se criar uma verdadeira democracia.”

Segundo ainda a reportagem de Bernardo Franco, “o DEM elogiou as mudanças”. Quem conduziu as negociações pelos Democratas foi o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e já se pode bem avaliar a profundidade (e a realidade) da “verdadeira democracia” para a qual se abrem agora todas as oportunidades.
Johanna Nublat, repórter da “Folha de S. Paulo”, escreveu que a oposição, comandada por Lorenzoni, afirmou “ter tirado todos os pontos com os quais não concordava”. (FSP, p. C9.) Ao “Correio Braziliense”, o deputado fez declarações mais incisivas: “Tiramos qualquer tentativa de racialização do projeto”. (CB, p. 11.)

Nublat, aliás, é autora da pérola mais preciosa escrita sobre a versão do Estatuto aprovada ontem na Câmara dos Deputados: “Há também pontos mais práticos, como a possibilidade de o governo criar incentivos fiscais para empresas com mais de 20 empregados e pelo menos 20% de negros.”
Quando o ponto mais prático é uma possibilidade, o leitor pode bem dimensionar o que representa a proposta aprovada para a superação das desigualdades raciais. Nem falo de racismo, porque a Comissão Especial, a rigor, nunca tratou do tema. Mas é fato que, sem falar de racismo, não alcançamos as motivações fundamentais.

Há algumas semanas, a mídia divulgou a discriminação sofrida por Januário Alves de Santana, agredido por seguranças do supermercado Carrefour numa cidade da Grande São Paulo. Todos conhecem a história do homem negro, técnico em eletrônica, que foi acusado de tentar roubar seu próprio veículo, um EcoSport. Acusado e violentamente espancado nas dependências do Carrefour.
Segundo ainda o noticiário, Januário viveu tantos constrangimentos após a compra do veículo, que decidiu se livrar dele. Creio que deveríamos fazer uma reflexão sobre como essas imposições violentas de limites têm afetado a população negra. Inclusive entidades e parlamentares.

Por causa de seus traços fisionômicos, seu fenótipo, e de um conjunto de injunções decorrentes da hierarquização do humano vigente entre nós, Januário vê-se obrigado a rever seu projeto, reduzindo suas dimensões, buscando adequar-se aos limites impostos pelo racismo. Um modelo mais modesto de veículo talvez lhe permitisse acomodar-se aos limites rígidos preestabelecidos, seguramente é o que pensa Januário.
Segundo os seguranças do Carrefour citados na revista Carta Capital, tudo, toda a informação estava na cara de Januário. Sua cara não nega, teriam dito os seguranças. E mais: “Você deve ter pelo menos três passagens pela polícia”. Sendo assim, não admiraria que Januário, renunciando a seu projeto legítimo de possuir um EcoSport, fosse preso ou assassinado conduzindo uma bicicleta.(Carta Capital, nº 560,25/08/09 p.16.)
O fato é que os negros vivem em um mundo em que se sabe de antemão muita coisa sobre eles. Impressiona a quantidade de informação que o olhar racista pode colher em um rosto negro. Os negros são no Brasil a evidência pública de um conjunto de delitos.
Apoiado por muitos outros autores, Umberto Eco afirma que é o outro, é o seu olhar, que nos define e nos forma. E não se trata aqui, diz ele, de nenhuma propensão sentimental, mas de uma condição fundadora (ver Cinco escritos morais. Editora Record, 1997, p. 95.)

Já sabemos como somos vistos e, a partir desse olhar, como devemos nos definir e conformar nossos projetos. Seria melhor dizer como devemos amesquinhar e reduzir nossos projetos. Sonhos não realizados, esperanças frustradas reafirmando e reforçando a ideologia que previamente nos classificou a todos.

Os parlamentares negros que ontem cantaram e ergueram os punhos fechados e se abraçaram ao DEM, o ministro Edson Santos, a Seppir, a Conen, a Unegro, todos comemoravam no fundo a redução e o amesquinhamento do projeto de Estatuto. Conformaram-se ao “possível”. Confiam que na redução ainda se podem projetar ganhos eleitorais. Vão colher, seguramente, o que plantaram.

sábado, 8 de agosto de 2009

Eu Não Sei Na Verdade Quem Eu Sou - O Teatro Mágico



Composição: Fernando
Anitelli

Eu não sei na verdade quem eu
sou,Já tentei calcular o meu
valor,Mas sempre encontro sorriso e o meu
paraíso é onde estou...

Por que a gente é desse
jeitocriando conceito pra tudo que restou?
Meninas são bruxas e fadas,
Palhaço é um homem todo pintado de piadas!
Céu azul é o telhado do mundo inteiro,
Sonho é uma coisa que fica dentro do meu travesseiro!

Mas eu não sei na verdade quem eu sou!Já
tentei calcular o meu valor. E sempre encontro o
sorriso e o meu paraíso é onde estouEu não sei na verdade quem eu sou!

Perguntar de onde veio a vida,por onde
entrei deve haver uma saída,e tudo fica sustentado pela fé
Na verdade ninguém sabe o que é!

Velhinhos são crianças nascidas faz tempo!
Com água e farinha eu colo figurinha e foto em
documento!Escola é onde a gente aprende palavrão...
Tambor no meu peito faz o batuque do meu coração!

Mas eu não sei na verdade quem eu sou.
Já tentei calcular o meu valor, E sempre encontro
o sorriso e o meu paraíso é onde estou!Eu não sei na verdade
quem eu sou!

Percebi que a cada minutoTem um
olho chorando de alegria e outro chorando de luto

Tem louco pulando o muro, tem
corpo pegando doençaTem gente trepando no escuro,
tem gente sentindo ausência!

Meninas são bruxas e fadas, Palhaço é um homem todo pintado
de piadas!Céu azul é o telhado do
mundo inteiro,Sonho é uma coisa que fica
dentro do meu travesseiro!

Eu não sei na verdade quem eu sou, Já tentei calcular o meu
valor,Mas sempre encontro sorriso e o meu paraíso é onde estou...
Eu não sei na verdade quem eu sou.

Fonte da letra : http://letras.terra.com.br/o-teatro-magico/441013/

sábado, 25 de julho de 2009

Lixo exportado da Inglaterra para o Brasil será devolvido

Editado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da RepúblicaNº 853
Brasília, 24 de Julho de 2009

Os contêineres de lixo exportados ilegalmente pelo Reino Unido para o Brasil serão reembarcados e devolvidos para o porto de origem, na Inglaterra. Em operação do Ibama, 41 contêineres de resíduos sólidos foram lacrados ontem no Porto de Santos, em São Paulo. As seis empresas envolvidas na importação, o consolidador, que realiza o carregamento, e os compradores da carga foram autuados por crime ambiental e multados em R$ 2,5 milhões de reais.
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que participou da operação do Ibama, informou que acionará a Comissão Interministerial de Combate a Crimes Ambientais, composta pelos ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, a Polícia Federal e a Força Nacional, para melhorar a fiscalização ambiental nos portos brasileiros. Segundo ele, outro carregamento, que aportou em Caxias (RS), começa a ser devolvido na próxima segunda-feira (27).
"Como é possível países que dizem fazer tudo para defender o meio ambiente, com tecnologia, dinheiro e meios para fazer isso, mandem aos países pobres e em desenvolvimento seu lixo doméstico, químico e industrial para serem queimados e enterrados?", questionou o ministro.
As empresas importadoras alegam que o material encontrado em Santos teria sido embarcado como sobras de plástico para reciclagem, mas o Ibama constatou que se trata de lixo doméstico. A carga dos contêineres inclui até fraudas descartáveis usadas, embalagens de ração animal, garrafas pet, entre outros itens típicos de resíduos não recicláveis. O ministro pedirá a abertura de investigações para avaliar o passivo ambiental deixado pela importação ilegal de lixo doméstico e industrial.
Não é a primeira vez que o lixo de outros países vem parar no Brasil. Em 1992, lixo químico proveniente de países desenvolvidos, chegou a contaminar trabalhadores portuários no País e em 2004 os portos brasileiros receberam toneladas de lixo industrial da Bélgica, contendo inclusive substâncias tóxicas como restos de chumbo e outros metais.
Denúncia - O Ministério das Relações Exteriores (MRE) instruiu a Delegação Permanente do Brasil em Genebra a apresentar, nos termos da Convenção da Basiléia, denúncia de tráfico de resíduos perigosos provenientes do Reino Unido. O ministro Celso Amorim conversou ontem com o chanceler britânico, David Miliband, que se prontificou a dar ao assunto a importância que merece. Amorim sublinhou, em particular, os termos do Artigo 9º da Convenção, que estabelece que o retorno da carga ilícita ao país de origem é de responsabilidade do exportador. O MRE, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama estão avaliando a necessidade de ações adicionais.

sábado, 18 de julho de 2009

Disque Denúncia chega a 100 mil registros

Editado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
Nº 848 - Brasília, 17 de Julho de 2009.
O Disque Denúncia Nacional acaba de completar 100 mil denúncias recebidas de violência contra crianças e adolescentes em todo o Brasil. Os dados foram divulgados na durante o Seminário do Disque Denúncia Nacional para Gestores, realizado semana passada (esta semana), que reuniu coordenadores de ações voltadas à proteção de crianças e adolescentes de 24 estados e do Distrito Federal. Em seis anos, foram 2,3 milhões de ligações atendidas.
A procura pelo serviço, que é coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (Sedh), cresce a cada ano. De 2003 a 2008, o número de denúncias recebidas aumentou sete vezes. A média recebida a cada dia passou de 12, em 2003, para 89, em 2008. Este ano, até junho, a média já havia chegado a 94 por dia. Neste período, o Disque realizou 131.287 atendimentos e recebeu e encaminhou 17.009 denúncias.
“Isso mostra a importância desse serviço, que é gratuito e já se consolidou como um canal de denúncias de violações aos direitos de crianças e adolescentes. Só foi possível graças às parcerias que estabelecemos até aqui, entre o governo, terceiro setor e a sociedade civil”, afirmou a subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da SEDH, Carmen Oliveira.
Além de casos de violência sexual, o Disque 100 recebe informações sobre tráfico de crianças e adolescentes, maus-tratos, negligência, entre outros crimes. A negligência concentra o maior número de ligações recebidas pela Central. Entre 2003 e junho de 2009, 35% foram ligações com casos de negligência; 34% de violência psicológica e física e 31% de violência sexual.
A maior parte das denúncias recebidas são contra meninas, 62%. Esse número sobe para 81% quando são de violência sexual. Todas são encaminhadas em até no máximo 24 horas, e as urgentes são transmitidas de imediato.
Novidades - O Disque 100 está em fase de aprimoramento. Durante o seminário foi apresentado o novo sistema de banco de dados das denúncias que tem objetivo de obter informações sobre a incidência da violência contra menores e foi feito em software livre para que os gestores possam utilizá-lo nos estados e municípios sem qualquer custo. Segundo Leila Paiva, os dados gerados pelo Disque Denúncia são fundamentais para o mapeamento de regiões críticas. “Com mais informações podemos detectar e agir regionalmente em focos de exploração sexual de meninas e meninos”, explicou.
Disque 100 - O serviço funciona diariamente das 8h às 22h, inclusive nos fins de semana e feriados. A ligação é gratuita e o usuário não precisa se identificar.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Ibama encontra 290 toneladas de lixo vindas da Inglaterra no Porto de Santos

Contêineres com material foram abertos na segunda-feira (6). Empresas serão multadas e terão que levar lixo de volta para a Europa.
Cerca de 300 toneladas de lixo recolhidas na Inglaterra foram encontradas dentro de contêineres no Porto de Santos, a 72 km de São Paulo na segunda-feira (6). A carga foi enviada por duas empresas, e deveria conter plástico para reciclagem.

Os contêineres chegaram ao Brasil na última semana, mas só foram abertos na segunda. Uma equipe do Ibama foi até o local para verificar a carga, e levou um susto quando as portas foram abertas. “Isso é um desrespeito com o nosso país, nós não somos o lixão do mundo”, disse uma fiscal.

O lixo doméstico dos ingleses passou por vários países antes de chegar ao Brasil. No Porto de Santos, foram 16 contêineres com 290 toneladas de lixo. Em uma primeira vistoria, os fiscais do Ibama encontraram resíduos de alimentos, cabos de computador, travesseiros molhados e muitas embalagens sujas de produtos de limpeza.

“Nós recebemos uma denúncia do Porto de Rio Grande, porque existia uma carga similar, até mais do que aqui. Então eles pediram para nós verificarmos essa carga da mesma empresa. É um absurdo, um desrespeito com o Brasil”, conta Ingrid Oberg, chefe regional do Ibama.

A empresa importadora e a transportadora foram notificadas. Cada uma terá que pagar R$ 155 mil de multa. O Ibama ainda deu um prazo de 10 dias para que essas empresas devolvam o lixo ao país de origem.

Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul, fiscais da Receita Federal encontraram 750 toneladas de lixo no Porto de Rio Grande. O material também foi trazido por navios da Inglaterra e teria sido enviado no lugar de produtos importados por uma empresa gaúcha.

Dentro dos contêineres trazidos ao Brasil pelos ingleses estavam toneladas de plástico, papel e vidro, além de seringas e preservativos. Um dos reservatórios levava brinquedos, com bilhetes informando: “Entregue estes brinquedos para as crianças pobres do Brasil. Lavar antes de usar”.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Campanha por uma internet segura

















Eu acesso com segurança, pois:

  • Não aceito arquivos de estranhos;
  • Evito comprar em sites não conhecidos;
  • Evite expor dados pessoais em sites de relacionamento;
  • Monitoro e oriento, sempre que possível, crianças e adolescentes no uso da internet.
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PEÇA a Nota Fiscal: a Educação Agradece

Se a/o cidadã/o não exigir nota fiscal ao comprar um perfume que custe R$ 40,00 - cuja alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços ) é de 25% -, a educação pública deixará de receber R$ 2,25 por parte do governo estadual.

Esquecer de pedir nota fiscal no momento da compra pode afetar diretamente a qualidade da educação pública brasileira. A afirmação pode soar estranha em um primeiro momento, mas especialistas ouvidos pelo JT* ressaltam que a relação causa e efeito é fácil de demonstrar.

Segundo César Augusto Minto, presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), a afirmação não só é verdadeira, mas tem sido ponto norteador das ações do Comitê em Defesa da Escola Pública, órgão não-governamental formado por professores dos ensinos básico e superior, alunos e representantes de entidades ligadas à educação. A sociedade ainda desconhece que a verba destinada à educação pública provém do repasse de um porcentual dos impostos pagos pelos próprios cidadãos, afirma.

O educador ressalta que cabe ao cidadão atuar de forma direta contra a sonegação de impostos. Ao criar o hábito de pedir nota fiscal, independentemente do valor da sua compra, o cidadão já estaria contribuindo para uma educação pública de qualidade , diz Minto.

Entretanto, Minto desafia os empresários. De nada adianta uma empresa realizar projetos sociais voltados à educação se ela sonega impostos ou não contrata seus funcionários de forma legal.

Fernando Almeida, ex-secretário municipal de Educação, também destaca a importância da conscientização da sociedade. Não é novidade que a sonegação de impostos afeta diretamente o repasse de verbas para a educação, mas o cidadão tem de lembrar disso sempre que realizar suas compras.

Entretanto, Almeida ressalta o fato de que a verba repassada para a educação também é utilizada para o pagamento de professores, inclusive os aposentados. A verba da educação pode ser alta, mas os gastos com folha de pagamento também são altíssimos.

Na prática

Se o cidadão não exigir nota fiscal ao comprar um perfume que custe R$ 40,00 - cuja alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços ) é de 25% - , a educação pública deixará de receber R$ 2,25 por parte do governo estadual.

A explicação deste cálculo é simples, pois 75% do valor arrecadado com o ICMS ficam com o governo estadual. Então, 30% destes 75% do ICMS apropriados pelo governo representam o valor exato repassado para a educação.

Na sala de aula

Para Roseli Moreira, coordenadora pedagógica da Emef Nilo Peçanha, Zona Norte, a conscientização da sociedade sobre a relação entre impostos e repasse para educação é importantíssima. Muitos alunos têm a visão de que o material recebido na escola pública é gratuito e não proveniente dos impostos pagos por seus pais , diz.

A coordenadora conta que usou o exemplo da balinha, que funcionou para conscientizar alunos que vinham degradando o material recebido na escola. Chamei todos para conversar e expliquei que, ao comprar uma balinha, o cidadão já contribui de forma direta com a educação pública. Eles não faziam idéia dessa relação. Acho que cabe à escola pública conscientizar pais e alunos sobre a importância da exigência de nota fiscal, diz.

*Fonte: Jornal da Tarde. Quinta, 07 de Dezembro de 2006.



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domingo, 21 de junho de 2009

“Então é verdade, no Brasil é duro ser negro?”

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A mais importante atriz de Moçambique sofre discriminação racial em São Paulo

ELIANE BRUM

Fazia tempo que eu não sentia tanta vergonha. Terminava a entrevista com a bela Lucrécia Paco, a maior atriz moçambicana, no início da tarde desta sexta-feira, 19/6, quando fiz aquela pergunta clássica, que sempre parece obrigatória quando entrevistamos algum negro no Brasil ou fora dele. “Você já sofreu discriminação por ser negra?”. Eu imaginava que sim. Afinal, Lucrécia nasceu antes da independência de Moçambique e viaja com suas peças teatrais pelo mundo inteiro. Eu só não imaginava a resposta: “Sim. Ontem”.

Lucrécia falou com ênfase. E com dor. “Aqui?”, eu perguntei, num tom mais alto que o habitual. “Sim, no Shopping Paulista, quando estava na fila da casa de câmbio trocando meus últimos dólares”, contou. “Como assim?”, perguntei, sentindo meu rosto ficar vermelho.
Ela estava na fila da casa de câmbio, quando a mulher da frente, branca, loira, se virou para ela: “Ai, minha bolsa”, apertando a bolsa contra o corpo. Lucrécia levou um susto. Ela estava longe, pensando na timbila, um instrumento tradicional moçambicano, semelhante a um xilofone, que a acompanha na peça que estreará nesta sexta-feira e ainda não havia chegado a São Paulo. Imaginou que havia encostado, sem querer, na bolsa da mulher. “Desculpa, eu nem percebi”, disse.

A mulher tornou-se ainda mais agressiva. “Ah, agora diz que tocou sem querer?”, ironizou. “Pois eu vou chamar os seguranças, vou chamar a polícia de imigração.” Lucrécia conta que se sentiu muito humilhada, que parecia que a estavam despindo diante de todos. Mas reagiu. “Pois a senhora saiba que eu não sou imigrante. Nem quero ser. E saiba também que os brasileiros estão chegando aos milhares para trabalhar nas obras de Moçambique e nós os recebemos de braços abertos.”

A mulher continuou resmungando. Um segurança apareceu na porta. Lucrécia trocou seus dólares e foi embora. Mal, muito mal. Seus colegas moçambicanos, que a esperavam do lado de fora, disseram que era para esquecer. Nenhum deles sabia que no Brasil o racismo é crime inafiançável. Como poderiam?

Lucrécia não consegue esquecer. “Não pude dormir à noite, fiquei muito mal”, diz. “Comecei a ficar paranóica, a ver sinais de discriminação no restaurante, em todo o lugar que ia. E eu não quero isso pra mim.” Em seus 39 anos de vida dura, num país que foi colônia portuguesa até 1975 e, depois, devastado por 20 anos de guerra civil, Lucrécia nunca tinha passado por nada assim. “Eu nunca fui discriminada dessa maneira”, diz. “Dá uma dor na gente. ”

Ela veio ao Brasil a convite do Itaú Cultural, que realiza até 26 de junho, em São Paulo, o Antídoto – Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito. Lucrécia apresentará de hoje a domingo (19 a 22/6), sempre às 20h, a peça Mulher Asfalto. Nela, interpreta uma prostituta que, diante de seu corpo violado de todas as formas, só tem a palavra para se manter viva.

Lucrécia e o autor do texto, Alain-Kamal Martial, estavam em Madagáscar, em 2005, quando assistiram, impotentes, uma prostituta ser brutalmente espancada por um policial nas ruas da capital, Antananarivo. A mulher caía no chão e se levantava. Caía de novo e mais uma vez se levantava. Caía e se levantava sem deixar de falar. Isso se repetiu até que nem mesmo eles puderam continuar assistindo. “Era a palavra que a fazia levantar”, diz Lucrécia. “Sua voz a manteve viva.” Foi assim que surgiu o texto, como uma forma de romper a impotência e levar aquela voz simbólica para os palcos do mundo.

Mais tarde, em 2007, Lucrécia montou o atual espetáculo quando uma quadrilha de traficantes de meninas foi desbaratada em Moçambique. Eles sequestravam crianças e as levavam à África do Sul. Uma menina morreu depois de ser violada de todas as maneiras com uma chave de fenda. Lucrécia sentiu-se novamente confrontada. E montou o Mulher Asfalto.

Não poderia imaginar que também ela se sentiria violada e impotente, quase sem voz, diante da cliente de um shopping em um outro continente, na cidade mais rica e moderna do Brasil. Nesta manhã de sexta-feira, Lucrécia estava abatida, esquecendo palavras. Trocou o horário da entrevista, depois errou o local. Lucrécia não está bem. E vai precisar de toda a sua voz – e de todas as palavras – para encarnar sua personagem nesta noite de estréia.

“Fiquei pensando”, me disse. “Será que então é verdade? Que no Brasil é difícil ser negro? Que a vida é muito dura para um preto no Brasil?” Eu fiquei muda. A vergonha arrancou a minha voz.
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Fonte:

domingo, 7 de junho de 2009

Documentário: “Simonal - Ninguém sabe o duro que dei”


Numa época de talentos eternos e revolucionários, Wilson Simonal brilhou como ninguém e inovou como poucos. Juntando qualidade, carisma, simpatia, suingue, charme, sensualidade e muito talento, ele se tornou a sensação do Brasil e ainda conquistou o público internacional. De repente tudo acabou.

Boatos, acusações, mistérios, patrulhas e perseguições. O que aconteceu com Wilson Simonal?

“Simonal - Ninguém sabe o duro que dei” traça a trajetória impressionante do ex-cabo de exército, que reinou soberano e acabou condenado ao ostracismo por um delito que jurava não ter cometido. Através de depoimentos de amigos, inimigos e, principalmente, de imagens das exuberantes performances do grande artista, o filme mostra também as respostas que nunca apareceram. Simonal era informante da ditadura? Era favorável aos militares? Ou seu maior crime foi ser negro, milionário, símbolo sexual num país e numa época em que existia muito racismo?

O documentário traz a história da ascensão e queda de Wilson Simonal (1939-2000), cantor que conseguiu status de estrela numa época em que no Brasil isso era raridade para artistas negros. De origem humilde, ele ganhou destaque na televisão nos anos 60, rivalizando com o domínio de Roberto Carlos e outros ídolos da Jovem Guarda. No auge da fama, dividiu o palco com a cantora Sarah Vaughn, em visita ao Brasil. Acompanhou a seleção brasileira ao México na conquista do tricampeonato, em 1970, e até arriscou a reflexão política sobre a negritude, na canção “Tributo a Martin Luther King”, composta em parceria com Ronaldo Bôscoli. Um incidente nunca esclarecido, envolvendo agentes do DOPS e um ex-empregado seu, lançaram sobre ele um processo criminal e a suspeita de que fosse um delator para as forças de repressão. [retirado do site http://firmaproducoes.com/2009/05/05/documentario-simonal-ninguem-sabe-o-duro-que-dei/ ]

O documentário traz uma brilhante exposição dos fatos que aconteceram, ouvindo inclusive o acusado do desfalque dado na Simonal Produções. Os depoimentos dos seus filhos e da ex-esposa nos trás a tona a discussão: Será que se ele não fosse negro essas coisas se perpetuariam?

O caso de Wilson Simonal é mais um fato de como o racismo impera nas relações socio-politico-economico-cultural do Brasil.

O filme esclarece, questiona, expõe, divulga fatos que infelizmente levaram à morte de um homem que desapareu antes mesmo do seu óbito.

Eu pergunto, "Teria Wilson Simonal sido vítima de uma conspiração racista e que até hoje, mesmo depois de sua morte, ainda paga por tais truculências?"

Vale apenas assistir esse belíssimo documentário que conta com a direção de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito.


Confira a baixo o vídeo promociocal do documentário.






sexta-feira, 29 de maio de 2009

Notas sobre turismo sexual

"As imagens e depoimentos passeiam entre o romantismo e a perversidade. Cinderelas, lobos e um príncipe encantado, documentário do cineasta mineiro Joel Zito Araújo sobre o mundo do turismo sexual no Brasil, estreia hoje em Fortaleza."
Angélica Feitosa

Menina de 13 anos levada pela mãe ao Instituto José Frota, em Fortaleza, após ser agredida por um cliente/explorador: a garota faz da BR-116 o ponto da própria exploração, na venda do corpo imaturo. Em Natal, uma jovem passeia de mãos dadas com um estrangeiro, enquanto conta para a câmera que, em breve, viajará para fora do País, mas com outro pretendente a marido. Em Berlim, ao som de Fascinação, bailarina mulata samba na ponta do pé, maiô fio-dental, para plateia de nativos germânicos. Todas são negras. O retrato é similar em boa parte das capitais do Nordeste ou com alguma ligação com a região. De tão comuns e banalizadas, chegam a ser vistas como passividade e até permissividade.

O documentário Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado, do cineasta mineiro Joel Zito Araújo, vem para lembrar que é com olhos de estranhamento que essas imagens precisam ser observadas. Isso sem julgamento. A alusão aos contos de fada não poderia ser mais apropriada. O longa nos dá uma significativa amostra dessa rede de sonhos, ilusões, exploração e terror, com alguns espasmos de final feliz, do turismo sexual brasileiro. Em Fortaleza, Natal, Recife e Salvador, Joel Zito entrevistou boa parte dos envolvidos na teia da prostituição: mulheres, homens e travestis que trabalham como garotos e garotas de programa, mas também taxistas e, principalmente, estrangeiros. Em Berlim e em Roma, o diretor também encontrou dançarinas de vários estados do Norte e Nordeste, empresários que costumam visitar o Brasil e casais formados por alemães e brasileiras.

Apesar de não ser o foco do documentário, a questão racial está no cerne da discussão. “Encontrei um dado que ajudou a guiar o documentário: 75% do objeto de desejo do turista estrangeiro são afrodescendentes. Obviamente, isso vem embutido, sobretudo do ponto de vista delas”, conta o documentarista, em entrevista ao O POVO, por telefone. Se os estrangeiros dizem que as negras são mais simpáticas e ao mesmo tempo “quentes” ou soltas sexualmente, essas mulheres confirmam o estereótipo. “Isso é um dos poucos pontos que eleva a autoestima delas. Quanto mais negróides, mais elas serão vistas como feias e não desejáveis no Brasil”. No olhar do estrangeiro, elas percebem que existe uma valorização de suas estéticas. Isso é visto com segurança por essas mulheres. Ao mesmo tempo, dizem não querer casar com um homem de sua cor de pele. “Para limpar o sangue”, chega a afirmar uma das entrevistadas. A dúvida que fica é se essa lascividade não estaria mais perto de uma permissividade. Se, pela autoestima baixa, elas não permitiriam qualquer tipo de situação, mesmo que agressiva ou contra suas vontades.

No documentário, Joel Zito mostra relações que têm no centro a questão financeira e a carência afetiva. A lógica é completamente fora do amor romântico. Muitas delas dizem que não importa com quem possam casar. “Quanto mais o homem paga a gente, mais a gente se apaixona”, conta num depoimento hilário, uma travesti entrevistada no documentário.

Como entrevistador, Joel Zito se destaca. É direto e incisivo, sem ser desrespeitoso. Tem sensibilidade e questiona no momento certo. “Algumas vezes, elas se entregaram demais, revelaram fatos muito íntimos e eu, por respeito, decidi não colocar. Já com os estrangeiros, expus realmente suas contradições”, compara. Um desses homens, um italiano, condena a política de turismo sexual, embora confesse que seja um de seus usuários minutos depois.

O diretor optou por investir num tom nem sempre pesado. Os momentos mais leves estão na parte final, quando o diretor entrevista brasileiras casadas com alemães e apresenta os choques culturais da relação, inclusive de maneira divertida. “São poucas as histórias bem-sucedidas, mas elas existem. Uma jornalista me perguntou o porquê de o filme acabar com uma história feliz, de casamento. Ora, por que as nossas amigas de classe média podem se casar com estrangeiros e serem felizes e as meninas pobres não?”.

EMAIS

- Joel Zito Araújo é professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), autor de A Negação do Brasil - O Negro na Telenovela Brasileira (2000), livro e documentário resultado de sua tese de doutorado que forma um inventário da participação e importância de atores negros em produções que vão de 1963 a 1997. Joel Zito fez pós-doutorado no departamento de rádio, TV e cinema e no departamento de antropologia da University of Texas, em Austin, nos Estados Unidos.

- Dirigiu As Filhas do Vento, primeiro longa-metragem de ficção do diretor, com elenco todo negro. Recebeu seis prêmios no tradicional Festival de Gramado, inclusive melhor filme, diretor e prêmio de crítica.

OUTROS DOCUMENTÁRIOS: > São Paulo abraça Mandela (1991), > Retrato em Preto e Branco (1993), > Ondas Brancas nas Pupilas Pretas (1995) > A Exceção e a Regra (1997)

Confira essa materia no site:
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/881072.html

Doc. Cinderelas, Lobos e um prícipe encantado - de Joel Zito Araújo

Cerca de 900 mil pessoas são traficadas pelas fronteiras internacionais a cada ano exclusivamente para fins de exploração sexual. Entretanto, apesar de todos os perigos, jovens mulheres brasileiras ao entrar no mundo do turismo sexual acreditam que vão mudar de vida e sonham com o seu príncipe encantado. Uma minoria até consegue encontrar um grande amor e casar. O filme vai do nordeste brasileiro a Berlim buscando entender os imaginários sexuais, raciais e de poder das jovens cinderelas do sul e dos lobos do norte.

Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado participou Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro – Premiére Brasil 2008; 5º. Festival de Cinema de Arte – Salvador, Bahia. Out/2008; FIC - X Festival Internacional de Cinema de Brasília. Novembro 2008. Premio “Menção Honrosa”; Filme de Abertura da – I Mostra Internacional de Cinema sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – Rio de Janeiro – Novembro 2008. Organizado pelo III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; II Encontro de Cinema Negro Brasil-África-América Latina. Rio de Janeiro- Nov.2008; FESPACO – Burkina Fasso. Fev-2009.

Criador e diretor dos filmes A Negação do Brasil (vencedor do É Tudo Verdade 2001) e Filhas do Vento (8 kikitos no Festival de Gramado 2005), Joel Zito Araújo realiza documentários desde 1988. Autor dos livros “A Negação do Brasil – o negro na telenovela brasileira” e “O Negro na TV Pública” (no prelo), e vários artigos sobre a mídia e a questão racial no Brasil. Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA /USP.
Vamos assistir gente.
Vale a pena.
Garanto!!!!!!!!


Assista o trailer aqui abaixo:


[...]

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Matriarcado no Candomblé

Em África, era comum mulheres participarem do Conselho dos Ministros. Elas tinham organizações próprias e lideravam um intenso comércio que incluia rotas internacionais. Foi por isso, que na Bahia, a partir século XIX, elas conseguiram o que parecia impossível. Deram à luz a uma Organização religiosa, que conciliou tradições de diferentes povos da Diáspora Africana, resistindo à escravidão e a perseguição policial, com diplomacia, inteligência e fé.

Esta produção é uma Grande-Reportagem produzida por Urânia Munzanzu, Vilma Neres e Lívia Machado, estudantes de Comunicação Social (Jornalismo), através do Centro Universitário Jorge Amado. Uma produção pensada para a disciplina de Telejornalismo II, sob orientação da Mestra Silvana Moura.

Salvador, maio de 2009



http://www.youtube.com/watch?v=EdYI-xGJ-fc

terça-feira, 5 de maio de 2009

Entrevista com Yalorixá Stella de Oxóssi

"O sagrado é sagrado, seja lá em que cultura for".

Ialorixá mais reverenciada da Bahia fala em entrevista exclusiva à Web TV


http://www.atarde.com.br/videos/index.jsf?id=1138362


Acompanhe essa belíssima entrevista.

sábado, 2 de maio de 2009

Texto de Jorge Portugal

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Mais um texto belíssimo sobre o episódio no Supremo. Esse texto é do professor Jorge Portugal. Encontrei no Mundo Afro, blog da jornalista Cleidiana Ramos, do Jornal A Tarde. Jorge escreve muito bem. E faz um trançado como temas que envolve a história da Resistência Negra casando com o fato que aconteceu no STF.


Vale apenas conferir


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Supremo Ministro!


**Jorge Portugal é educador, poeta e membro do Conselho Nacional de Política Cultural.

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sexta-feira, 1 de maio de 2009

Ministro Joaquim Barbosa. A imagem expressiva de tantos e tantas


Esse mês de abril algo de curioso aconteceu e foi noticiado pela mídia brasileira. Foi o levante de um homem que não se rendeu como vítima do racismo no judiciário. O fato protagonizado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Joaquim Barbosa repercurtiu de forma tão simplória e minimalista pela mídia nacional. Vale apenas rever e fazer outras leituras.

Trago a seguir, o video do episódio seguido de dois textos que merecem ser apreciado com bastante atenção. Um dos textos é uma entrevista realizada com o grandioso Abdias do Nascimento. E o segundo texto, foi escrito pelo Jornalista Carlos Alberto Carlão de Oliveira e está postado no seu blog.

Vale apenas conferir.

Boas Leituras

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Na década de 40, quando o movimento negro era uma ilha, o dramaturgo Nelson Rodrigues cravava nas gazetas: Abdias do Nascimento é "o único negro do Brasil". E não houve quem o desmentisse. A "flor de obsessão" admirava no ator e ativista negro a "irredutível consciência racial", a coragem de esfregar a "cor na cara de todo o mundo".

Abdias, 95 anos, segue atento às novas gerações do movimento negro. Vibrou com a vitória do presidente Barack Obama, nos Estados Unidos. E hoje, a partir da leitura dos jornais, [...] confira o restante do texto clicando aqui



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Ministro Joaquim Barbosa e o povo contra o resto

Era adolescente e me lembro ainda de Kirk Douglas como protagonista do filme Spartacus, um escravo de Roma que liderou uma rebelião contra a elite da “República Romana”. O poder, como sempre o poder atua, partiu para cima dos revoltosos, os derrotou e no final do filme para identificar o líder um comandante romano grita: “Quem é Spartacus?” Todos os que lutaram e estavam amarrados respondiam um a um: “Eu sou Spartacus!”

Até hoje me lembro dessa cena. Ontem, dia 22, quarta-feira,[...]

Carlos Alberto Carlão de Oliveira é jornalista

quarta-feira, 29 de abril de 2009

MEU SONHO NÃO FAZ SILÊNCIO

Visitando alguns espaços de umas pessoas que conheço. Foi na página de relacionamento de uma amiga que vi algo curioso. Um poema que é quase um grito, um levante. O Poeta José Carlos Limeira é sem dúvida um poeta que mais representa os desejos de um povo. Ele consegui em poucas linhas traçar o enredo da saga de um povo, que tanto nos imprimi o símbolo de uma resistência viva.

Seus poemas ultrapassam as barreiras de um português clássico, e passa a compor as várias vozes de guerreiros e guerreiras, pais e mães, jovens negros e negras. Pessoas que desrespeitadas, que são discriminadas.

Limeira vem enaltecê-las. Vem representa-las. Enfim, ele mostra de dentro como são as característica de um ser diaspórico. De um ser que tem azeite de dendê nas veias. Que tem na sua memória a hitórias de reis, rainhas, pais e mães de santos. mulheres e homens que sempre estarão conosco.

Pensando nisso, trago esse poema para conhecimento de todos/as.


MEU SONHO NÃO FAZ SILÊNCIO

Meu sonho jamais faz silêncio
E a ninguém caberá calá-loTrago-o como herança que me mantém desperto
Como esta cor não traduzida em versos
Pois se fariam necessários muitos e tantos versos

Meu sonho vara madrugadas
Som alto
De timbales que se arrebatam em cânticos
E trago-o como Olorum na crença
Que não me pune em pecados
Mas
Enche-me o peito grávido de esperanças
Como malungos marchando ao sol de novembro
Subindo as serras
Defesa e guerra

Meu sonho jamais faz silêncio
É a lança brilhante de Zumbi
A espada de Ogum
É o lê, o rumpi, é o rum
É a furia sem arreios
Terra farta dos anseios
Desacato, ato, sem freios
Vôo livre da águia que não cansa
Me faz erê, me faz criança

Meu sonho jamais faz silêncio
É um griot velho que me conta as lendas
De onde fisga tantas lembranças

E com ele invado chats, pages, sites
Na intimidade de corpos em dança
Perpetuando o gosto pelo correto
Meu sonho é pura herança
Rastro
Dos que plantaram, lutaram, construíram
O que não usufruo
Areia que moldada em vaso
Onde não nos cabe culpas
É lúcido ao sol dos trópicos, charqueado ao frio
É como um fio

Grita alto e bom som
Que o seio do amanhã nos pertence
Carregamos toda pressa

Meu sonho não faz silêncio
E não é apenas promessa

Planta em mim mesmo, na alma
Palmares, Palmares, Palmares
Pelo que de belo, pelo que de farto
Muitos Palmares

Carrega como o vento escritos
Versos de Jônatas, Oliveira, Colina , Semog e Cuti
Alimenta e nutre
Lembrando que esta cor me mantém desperto
E não tenho sustos

Sentinela que tange o eterno quissange
Entende a volúpia do calor que me abriga
Desfaz a mentira , destruindo a intriga

Meu sonho jamais faz silêncio
Como um Ilê Aiyê acordando a liberdade
Descobrindo amante ávido o sexo pulsante da existência
Desejo de navegar todos os mares
Comandando todas as fragatas, naves

E nos lança em um solo de Miles
Nos recria em um solo de Coltrane
Clássico como Marsalis, Jazz como Marsalis

E que nem tentem que faça silêncio
Pois voltaria gritando em um texto de Solynca
ás que completa a trinca
Torna-se um canto de Ella, Graça, Guiguio, Lecy
Gente negra, gente negra
Jamelão, mangueira
Brilho da mais brilhante estrela
Nunca se estanca, bravo se retraduz em sina

Só não lhe cabem
Crianças arrancadas da escola
Pela fome que rasga gargantas
E nos promete vê-las
Alimentadas todas, cultas
Meu sonho é uma negra criança
Que luta

Ergue Quilombos, aqui , ali
Em cada mente, em cada face
Impávidos como Palmares, impávidos Ilês
Em todos os lugares

Meu sonho não faz silêncio
Porque feito de lida
Teimoso como esta cor
Para sempre será desperto e certo
Mais que vivo, é a própria vida.

(José Carlos Limeira)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Ministério Público pede suspensão de programa de TV na Bahia





Da Redação do Correio

O Ministério Público do Estado da Bahia entrou com uma ação 07/04, pedindo a suspensão imediata do programa Na Mira, da TV Aratu, retransmissora do SBT no estado. A ação civil pública foi enviada à Justiça no dia 07/04, mas até o momento a emissora não foi notificada.


De acordo com os promotores Almiro Sena e Isabel Adelaide Moura, o programa, sob o pretexto de “mostrar a vida real”, apresenta cenas de extrema violência e constrangem, ilegalmente e de forma humilhante, pessoas que são presas pela polícia, “ofendendo, dessa forma, direitos e garantias fundamentais da pessoa humana”.


“O problema deste programa não é o de eventualmente ter ultrapassado, nesse ou naquele ponto, os limites do direito humano fundamental da liberdade de ‘expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença’. O problema é muito maior, pois o Na Mira viola de forma sistemática, reiterada e ostensiva, uma série de outros direitos fundamentais igualmente importantes”.


O programa, na visão dos promotores, realiza a “execração pública, inclusive com xingamentos de pessoas suspeitas, processadas ou condenadas pela prática de algum crime”. Com isso, é violada a Constituição, já que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Os promotores destacam ainda que, socialmente, a pessoa, ainda que absolvida, está antecipadamente condenada e com parcela razoável de sua vida prejudicada.


Os promotores também acusam o programa de chancelar a prática de abuso de autoridade por parte da polícia, “fato que já motivou uma recomendação do Grupo de Atuação Especial para o Controle Externo da Atividade Policial”.


“(O programa) utiliza-se covardemente da justificativa de servir ao interesse público, para fazer exatamente o oposto. Ou será que humilhar, xingar, ridicularizar e expor indevidamente, e da pior forma possível, a imagem de pessoas pobres ou paupérrimas presas nas Delegacias de Polícia é atender ao interesse público?”.


O diretor da TV Aratu, Nei Bandeira, informa que a emissora irá se posicionar somente após ser notificada pela Justiça.


Com informações do MPE-BA

quinta-feira, 16 de abril de 2009

PROGRAMA “NA MIRA” É SUSPENSO PELA JUSTIÇA


O juiz Manuel Bahia acolheu nesta quarta-feira (15) a solicitação do Ministério Público Estadual (MP-BA) e determinou a suspensão temporária do programa “Na Mira”, da TV Aratu. Caso a medida não seja cumprida, os produtores terão que pagar multa de R$ 10 mil ao dia e podem sofrer pena por desobediência. De acordo com o entendimento do jurista, a exibição só retornará se for adequada “aos dispositivos legais do nosso dispositivo jurídico”. O argumento para decisão foi o horário impróprio, já que o programa é acessível a crianças, e o conteúdo seria repleto de exageros, cenas de violências, imagens chocantes e desrespeitosas à dignidade da pessoa humana. A promotoria já havia fundamentado em provas que o programa realiza a “execração pública, inclusive com xingamentos de pessoas suspeitas, processadas ou condenadas pela prática de algum crime”. O juiz disse que o material coletado “vislumbra-se facilmente com quadros chocantes, pavorosos, tétricos, macabros e dantescos”, concluiu.
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Samuel Celestino
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